domingo, 5 de fevereiro de 2017

O espantalho pós-moderno e as armadilhas da esquerda conservadora

O termo "pós-moderno", antes presente só na teoria, tem ganhado espaço na prática política. Tornado um rótulo, vem funcionando como categoria de acusação - nunca auto-identificação. Para muitas pessoas ainda restam dúvidas quanto ao que viria a ser "pós-moderno", quem seriam essas pessoas e quais seriam suas práticas. O argumento desse texto vem no sentido de demonstrar que essa designação não tem sentido exato porque não é nada menos do que um espantalho construído por um conservadorismo de esquerda. Vamos lá.
Nem todas as concepções de pós-modernidade partem do mesmo caminho. Para Anthony Giddens estamos em outro estágio da modernidade, mas não a teríamos superado em seus fundamentos. Esse processo poderia levar a duas espécies de pós-modernidade. A primeira, desejável, levaria a um sistema pós-escassez, participação democrática de múltiplas camadas, desmilitarização e humanização da tecnologia. A outra, catastrófica, seria caracterizada por crescimento do poder totalitário, conflito nuclear ou guerra de grande escala, deterioração ou desastre ecológico e colapso dos mecanismos de crescimento econômico. Os pilares da modernidade seriam o Estado-nação e o capitalismo.
As críticas mais ferozes ao "pós-modernismo", entretanto, chegam por outras vias, quais sejam: a negação da racionalidade e o descentramento do trabalho. A razão, projeto iluminista de emancipação e desenvolvimento, teria demonstrado, a esta altura, sua face oculta de destruição e dominação. Cabem aqui o pós-estruturalismo foucaultiano, mas também os pós-colonialismos latinoamericanos de Walter Mignolo e Aníbal Quijano. Para um, a todo saber corresponde um poder. Para os outros, o conhecimento ocidental seria forjado na dominação da América Latina e seria, portanto, fruto de uma razão colonial. Frantz Fanon, pensando na descolonização efetiva da África, defende abertamente a irracionalidade como linguagem para a saída da dominação que a própria modernidade cunhou. 
Para os críticos desses "pós-modernos" atacar a racionalidade é atacar a única possibilidade de emancipação humana, que, a partir da revolução proletária, levaria a termo o desenvolvimento dialético da história com a chegada à real liberdade. Existe uma crença de que o materialismo histórico dialético é imune ao poder, sendo o lugar inquestionável do real (material). O método, muitas vezes tornado dogma, não é posto à prova e entendido a partir de sua feitura num alinhamento específico de espaço-tempo. As feministas, mesmo as que, como Donna Haraway, retomam a dialética hegeliana do senhor-escravo e apontam para os saberes localizados são acusadas de determinismo e egoísmo quando falam em "protagonismo" e "lugar de fala". Para uma fatia grande do marxismo um método é um método, que pode ser destrinchado por qualquer sujeito universal incorporando a própria razão. Quão moderno!
"Por favor, querida. É a Era da Razão."
A crítica ao fim do trabalho mira, acertadamente, nos propagadores da "sociedade pós-industrial" (como Alain Touraine), mas acerta os novos movimentos sociais. De fato, nem o trabalho saiu do centro dos problemas sociais, nem o capitalismo acabou. Não precisa ir longe, encontraríamos essa constatação num discípulo do Touraine: Manuel Castells. A sociedade da informação altera as relações sociais de produção, porém não suprime a exploração. Agudiza-se a regra: o capital é global e o trabalho é local. Apresentados como "novos", os movimentos sociais publicizam pautas que não se resumem ao trabalho e soluções que não se restringem ao âmbito econômico (ou à disputa do poder de Estado). Racismo, sexismo e homofobia passam a ser consideradas opressões relativamente independentes da questão de classe. E a cultura emerge como lugar privilegiado de disputa. Os crimes aqui presentes seriam "culturalismo" e a diluição do poder, que enfraqueceriam as possibilidades de constituição de uma grande aliança oprimida.
Essas negações veementes do "pós-modernismo" impedem que colegas marxistas se confrontem com esses debates de maneira mais qualificada. Nos valendo de Gramsci e o papel que a cultura tem na formação de uma hegemonia ou da instituição de formas de vida que a ideologia assume em Althusser poderíamos nos apropriar do papel do discurso na análise foucaultiana sobre o poder. Butler poderia nos ajudar a entender como o discurso se autonomiza das posições e poderíamos falar não só das situações em que homens estupram mulheres, mas nos discursos que possibilitam e estimulam estupros (cultura do estupro). Esse movimento teórico dissipa o poder para encontrá-lo em seu funcionamento micropolítico: as práticas cotidianas. Como entender uma forma de dominação sem entender suas peças elementares? 
Com isso, seria possível buscar o fio da meada que leva um xingamento à constituição de uma classe política conservadora e de que maneiras as diversas formas de dominação contribuem para a manutenção do capitalismo. Como o trabalho reprodutivo é a condição de possibilidade do trabalho produtivo e como a desvalorização da mão de obra de determinados grupos estigmatizados favorece o lucro do capitalista. Sem os brados de "pós-moderno" poderíamos discutir se o que leva algumas empresas a "adotar" a imagem de anti-opressão é uma submissão das pautas dos movimentos à lógica do capital, o movimento inexorável da mudança (que faz com que elas tenham que se adaptar), ou algo que ainda não entendemos. Seria bom também pensar se questões de gênero, raça e sexualidade não deveriam guardar alguma autonomia em vez de serem dissolvidas na questão de classe, com o perigo de invisibilização.
A cultura, tornada mais um front de batalha poderia ser imaginada como uma aliança econômica e comportamental de construção de hegemonia, bem perto do que Laclau e Mouffe propõem com o conceito de populismo. Uma cadeia de equivalências que una, por exemplo, transfobia e capitalismo em suas feições concretas passíveis de constituição de demandas que se articulem num povo contra seu inimigo. Essa equivalência, entretanto, não pode significar homogeneização, o que destruiria os movimentos e as lutas existentes. É um processo longo de diálogos, embates e criatividade para que a militância, por meio da cultura, institua formas de vida para toda a população - numa forma elaborada de agitprop, em linguagem leninista. Num relance, a mobilização da "ideologia de gênero" pela direita latinoamericana demonstra como perdemos a disputa cultural - e por que é preciso retomá-la.
Acusações postas de lado, seria o momento de retomar reflexões de epistemologia feminista sobre a relação sujeito-objeto e da teoria política sobre interesse e representação. No primeiro sentido, Patricia Hill Collins evidencia o conhecimento produzido pelas mulheres negras, que por tanto tempo conheceram não só a realidade de suas casas, mas também a de suas patroas, como empregadas domésticas. É numa acepção parecida que Sandra Harding propõe a teoria do ponto de vista, que diz que as/os que estão por baixo numa situação de opressão enxergam melhor do que as/os que estão por cima - ou seja, possuem privilégio epistêmico. O que se quer aqui não é destruir a objetividade, mas produzir uma objetividade forte, que não seja mera reprodução de visões dos opressores.
Na teoria política a relação entre interesse e representação nunca foi fácil. O interesse preexiste ou é mutável? É objetivo ou subjetivo? Se é objetivo, como determiná-lo? E quem pode representá-lo? A articulação de determinadas respostas pode te colocar ao lado de Locke ou Rosseau, multiculturalistas ou comunitaristas. Iris Marion Young, criticando o republicanismo, e Nancy Fraser, criticando o deliberacionismo de Habermas, propõem conceitos para dar uma solução feminista ao problema que encontram em seus adversários: o universalismo. Young, que em suas primeiras obras adotava uma concepção mais objetiva (e utilitarista) de interesse, desce um degrau no determinismo estruturalista para falar em "perspectivas sociais". As posições sociais não determinariam interesses, nem opiniões, mas seriam o ponto de partida para tais. Fraser, desnudando o caráter burguês da esfera pública habermasiana, propõe a ideia de contrapúblicos subalternos: espaços em que grupos subalternos poderiam construir entre si ideias e práticas para sua emancipação. A verdade é que nem uma, nem outra negaram a possibilidade, ou melhor, a necessidade de um momento posterior: o encontro e diálogo de todas/os, a efetivação da política (universal) a partir dos interesses (particulares). Ou melhor, pode-se encontrar aí uma faixa liminar, que não é nem universalista, nem particularista, mas corresponde ao interesse coletivo dos grupos oprimidos.
Espaço auto-organizado de mulheres.
Esse ainda é um modo mais qualificado de discutir a (falsa) oposição marxismo x pós-modernismo, uma vez que tenta expor causas, buscar caminhos. O problema do espantalho pós-moderno parte dessas confusões, mas vai além, juntando uma miríade de elementos para construir seu inimigo. Assim, apontam para a discussão sobre apropriação cultural como pós-moderna, como se o movimento negro não discutisse há décadas como o branqueamento da cultura negra é elemento do racismo que se passa por democracia racial. "Lacrar" e "tombar", expressões que poderiam estar no pajubá, são misturadas a reivindicações políticas como "cisgênero" e "privilégio" e ainda com linguagem neutra de gênero. Vai-se criando um mix do que consideram prática política pós-moderna que culmina com afirmações bizarras, como a de que o "politicamente correto" teria ajudado a eleger Trump.
"cêjura"
Acusar os movimentos identitários pelas derrotas da esquerda tem dois efeitos. O primeiro é que se fomenta, inconsequentemente, um conservadorismo de esquerda, convertendo opressão em posição política. Assim, discriminações, assédios e propagação de ódio de militantes passam como mal menor e seu combate, como tentativa de desarticular o movimento/partido. Talvez ainda pior seja o fato dessa suposta crítica ao "pós-moderno" se constituir numa paranoia que aponta o inimigo na direção errada. Vivemos a conjunção do capitalismo financeirizado com a ascensão de conservadorismos ao poder, passando pela derrocada de alternativas de poder à esquerda. Não parece que esse espantalho criado por colegas marxistas tenha qualquer coisa a ver com isso, ou que sua crítica possa apontar caminhos para a atividade revolucionária. Entender como a realidade se apresenta em determinado período socio-histórico elencando as forças em tensão, dando conta das mudanças e apresentando fissuras para a emancipação humana são o cerne do materialismo histórico dialético, que tem se transformado, cada vez mais, num esquematismo ordinário. É preciso dar um passo adiante.

sexta-feira, 18 de março de 2016

UM GOLPE DEMOCRÁTICO: entender para agir


DEMOCRACIA, GOLPE, FASCISMO

Quando os termos da realidade são altamente disputados não há facilidade na compreensão. Quando os conceitos mais importantes e polêmicos do último século entram em cena, a confusão está armada. Tentemos entender o que essas palavras significam em política.

A) DEMOCRACIA.
Alguns significados:
1) Regime  em que há possibilidade de participação de todas/os cidadãs/os do processo de tomada de decisão por meio de candidatura e voto;
2) Forma de escolha que abarca a maioria ou a vontade do povo;
3) Regras explícitas e estáveis para execução de decisões que afetem a coletividade (geralmente leis);
4) Direito efetivo de participação na coletividade que perpassa por justiça social;
5) Possibilidade de livre manifestação das vontades individuais e coletivas.

B) GOLPE.
1) Diz-se do que rompe abruptamente um regime político;
2) Mudança ilegal e/ou ilegítima do curso do jogo;
3) Mudança ilegal e/ou ilegítima das regras do jogo;
4) Ação ilegítima e/ou injusta.

C) FASCISMO.
1) Regime político que tomou conta da Itália entre 1922-1945 e envolvia um Estado autoritário (sem apreço por regras ou lei e afeito ao uso da violência física), um líder carismático (Mussolini) e forte sentimento nacionalista;
2) Ideologia de desumanização e/ou aniquilação de outrem;
3) Postura política que não admite dissenso.

Democracia, golpe e fascismo no Brasil de 2016?

Até onde enxergo, não há em curso no país nem grande golpe, nem exatamente fascismo, nem realmente ataque ordenado à democracia. O que acontece, então?

IMPEACHMENT, LAVA-JATO, FORA PT

Três grandes acontecimentos políticos confluem: processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, operação da Polícia Federal Lava-Jato e manifestações públicas de repúdio a Dilma, Lula e ao PT. Que há de anti-democrático, golpista e fascista nisso?

IMPEACHMENT.
Previsto na lei nº 1.079, é procedimento legal de destituição de presidente ou ministro/a por crimes de responsabilidade.
Pode não ser democrático no sentido A-4.
Os sentidos A-1, 2 e 5 estão em disputa. O impeachment é legítimo?
A princípio é democrático no sentido A-3. Aqui sua conformidade com a lei precisa ser provada.
B-1 e 3 não parecem estar em discussão. B-2 e 4 estão em disputa.
C-1 e 2 não se aplicam. C-3 talvez esteja em disputa. 

LAVA-JATO
Somente A-3 se aplica. Em disputa.
B-2 e 4 estão em disputa.
C não parece aplicar, somente em alguns traços específicos de C-1 (possível autoritarismo que desrespeita leis).

FORA PT
Parece contrariar A-1.
Pode implicar em negação de A-3 e 4.
Disputa A-2 e 5.
B-1 e 3 não parece estar em disputa; B-2 e 4, sim.
Em C-1 há semelhanças, mas carece de líder carismático, por um lado, e mais evidências de um Estado autoritário, por outro.
C-2 talvez não seja maioria, mas tem virado marca do movimento. 
C-3 cada vez mais se torna característica do movimento.

UM GOLPE DEMOCRÁTICO
O golpe anti-democrático e "fascista" da injustiça social nos é dado desde sempre, em doses homeopáticas (ainda que sangrentas) e de maneira naturalizada.  É o jogo, a política, a realpolitik, a governabilidade. A democracia formal e burocrática a todo momento golpeia a democracia substantiva.
O que acontece no Brasil de 2016 é de outra sorte. Não há um grande golpe à democracia sendo orquestrado por atores de um grupo político a mudar completamente o regime. Não é golpe militar, como em 1964. Não é também um levante fascista comandado por um líder habilidoso (embora alguns elementos já emerjam na sociedade).
Está em curso nesse país um golpe perfeitamente democrático. Aliás, não é UM golpe, mas pequenos  e sucessivos tensionamentos da democracia. O processo de impeachment da presidenta eleita preserva alguns elementos de legalidade, mas só segue em frente com bruscas manobras de Eduardo Cunha e da oposição de direita. A Lava Jato é também perfeitamente legal no geral, o que impressiona é a seletividade nas investigações e punições, por um lado, e ações que atingem ou ultrapassam o limite da legalidade, de outro lado. O movimento "Fora PT" é completamente legal e possivelmente legítimo num primeiro momento. Por que, então, seria papel da esquerda lutar contra o golpe e a favor da democracia?
Se a esquerda governista tem interesse óbvio na manutenção do governo, à oposição da esquerda cabe tomar as ruas pela reivindicação da democracia e contra os golpes de direita em diversos sentidos. Num primeiro momento os tensionamentos (anti-)democráticos podem desestabilizar a democracia enquanto procedimento porque derrubam qualquer possibilidade de estabilidade ou confiança de que as escolhas tomadas representam o povo e sejam mantidas. Num segundo aspecto, deve-se lutar pela democracia desde seus fundamentos igualitários, combatendo medidas elitistas tomadas dentro e fora do governo, por aliados e opositores do PT.
Os golpes são desferidos por muitos atores, mas não devemos perder de vista que temos um inimigo comum: Eduardo Cunha e o PMDB. São os senhores desta sigla que ocupam os postos mais altos e a maioria dos postos de poder neste país. É esse o principal partido articulador da bancada Boi, Bala e Bíblia, que põe em cheque direitos de diversas minorias políticas. Esqueçam distrações como Bolsonaro, Aécio e Dilma. Cunha, Temer e Kátia Abreu, bem como seus aliados, compõem o único ator político que pode desferir um golpe à democracia desse país. Adequado, não? O Partido do Movimento Democrático Brasileiro é o agente de nosso golpe "democrático".

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Política e polarizações num Brasil em crise


Um elemento constitutivo da política é a delimitação de amigos e inimigos, a divisão da linha entre nós e eles. Serve para a paz democrática, serve para a guerra sangrenta. Nesse sentido, política é sobre disputa. As disputas políticas, entretanto, não estão dadas, antes precisam ser constituídas enquanto tais. Estabelecer polarizações é um exercício constante e tenso para quem se propõe a fazer política (dentro ou fora do Estado).
amigas e rivais
Consciente disso, Luiza Erundina disse que Marina Silva deseducava a sociedade ao não se afirmar de esquerda ou de direita. Não se governa para frente apenas. Ainda assim, Marina tentava construir outra polarização: nova política x velha política. Até hoje é difícil entender quais eram os termos concretos dessa polarização, que soa tão óbvia quanto artificial. No fim, quando veio a hora da polarização eleitoral, Marina escolheu um lado. Cito a querela entre Erundina e Marina nas eleições presidenciais de 2014 (que em certo momento as uniu na candidatura do PSB e as separou no segundo turno) porque concordo em partes com as duas. Com Erundina, pois sigo o argumento de que descartar a polarização esquerda x direita é encobrir outras escolhas. Com Marina, porque também penso que a polarização PT x PSBD prejudica o Brasil (essa é a posição de Domenico de Masi).
cher sobre lênin sem cabeça

Desenrolemos. Esquerda e direita, enquanto horizontes normativos, enquanto polos ideológicos, são combinações de princípios e/ou pautas capazes de guiar tomadas de decisão. Só faz sentido que política seja sobre disputa se for também sobre a possibilidade de escolha de diferentes formas de ação - caso contrário, de que serviria a disputa? É verdade que em diferentes momentos e por diferentes perspectivas os termos da disputa podem ser entendidos de maneiras específicas (saquaremas e luzias, no Brasil Império; machista e feminista, nos termos de gênero). Se a confusão existe e não pode ser solucionada simplesmente numa única dimensão (como a chegada ao socialismo), nem abdicada (pois algum caminho deverá ser seguido), talvez a melhor saída seja definir de forma ao mesmo tempo normativa e aberta o que é ser de esquerda: lutar contra todas as formas de dominação, organizadas de maneira específica pelo capitalismo monopolista. 

Desenrolando ainda mais: nem de um lado, nem de outro devem as polarizações partidárias ser automaticamente igualadas às polarizações políticas. Aqui o debate é mais palpável, mas ainda mais perigoso. Quando falamos em polarização partidária falamos sobre o Estado, falamos ainda sobre elites políticas capazes de mobilizar máquinas de angariar votos (quase sempre por meio de investimento de muito dinheiro). Essas elites são expressões parciais do embate entre duas estruturas mais ou menos maleáveis e mais ou menos interligadas: o Estado e a sociedade. Nem toda polarização partidária esgota as polarizações políticas no seio de uma sociedade.
essa família muito unida...

Enrolando tudo novo... a breve democracia brasileira foi marcada, na maior parte de sua duração, pela disputa entre o PT e o PSDB. E assim nos organizamos enquanto Estado e nação. De um modo geral as demandas à esquerda foram encaixadas no polo vermelho e as demandas à direita no polo azul. Consolidações de políticas estatais e reorganizações sociais depois, além das taxas pagas à governabilidade, as fronteiras entre nossa polarização política e partidária estão borradas - essa é a gênese da crise política. À direita do PSBD temos atores como Bolsonaro, MBL e Eduardo Cunha - que, vejam só, é da base aliada do governo de esquerda! Falando ainda em aliados, dois dos grandes nomes do PMDB que apoiam o governo (de esquerda!) contra o impeachment são Renan Calheiros e Kátia Abreu.

Sucessivamente a esquerda, sob diversos nomes, tem apoiado os governos petistas em sua manutenção no poder. Óbvio, o que seria de nós se a direita fosse vitoriosa?! O que parece menos óbvio é quem é esquerda e quem é direita a esta altura - porque esquerda e direita são definições difíceis, mas principalmente porque os partidos estão retalhados e rifados (cada um compra a parte que puder, com o a moeda que tiver). Cede aqui, governa ali. E cada guinada à esquerda do governo federal se consolida como uma promessa a ser cumprida em parcelas a perder de vista (a radicalização sinalizada em 2014 entrou 2015 com Joaquim Levy e o pós-impeachment novamente promete, mas é certamente um pós-Levy ainda com ajuste fiscal).

Positivamente somos pouco capazes de constituir uma identidade própria, enquanto esquerda brasileira. Delimitar um “nós” só é fácil para quem exclui sem sofrer. Todavia, em meio à crise ganhamos um grande inimigo. Cunha é contra as mulheres, contra a população LGBT, contra indígenas, contra trabalhadoras/es, contra a juventude negra. Assim vamos descobrindo que somos mulheres, somos LGBT, somos indígenas, somos trabalhadoras/es, somos juventude negra... e cada derrota política desses grupos é uma derrota nossa. Somos todas/os contra Cunha. Somos a esquerda brasileira. E nós somos muito mais do que um partido, uma coligação ou um governo. Precisamos descobrir isso antes de nos digladiarmos pela manutenção de quaisquer elites no poder (chegando a absurdos como petralhas x coxinhas). Busquemos uma nova política de esquerda.