Relendo o
outro post sobre amor livre e pensando em questionamentos sobre o tema que surgiram numa roda de conversa, além dos que tenho visto pela internet, resolvi tentar delinear melhor o que entendo por "amor livre". A começar, devo dizer que me agrada a expressão (em detrimento de outras como poliamor e relações livres) porque tanto "amor" quanto "livre" deixam certo espaço para a elaboração de novos significados. E especialmente porque tocam nos dois pontos cruciais do debate: amor e liberdade.
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ah, o poder... |
Como enxergo as coisas, antes de mais nada amor livre é um posicionamento político. Político num sentido mais geral, mais difuso, mas que também tem relações com a Política com P maiúsculo. Não aponto o dedo para tais e tais relações específicas, nem tento moldar o conceito pelas minhas relações (ainda que isso seja, em certo sentido, inescapável). Pensar o amor livre como posicionamento político é pensar que vamos discutir para além do eu - ou mesmo quando formos discutir o eu, discutiremos suas implicações políticas. Esse posicionamento só faz sentido, afinal, porque se remete ao todo, a uma mudança estrutural. Pode o amor mudar o mundo?
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será mesmo? |
Termino o post anterior dizendo que não há possibilidades de um amor realmente livre sem uma luta interseccional. E o título desse post é exatamente "amor livre não é amor liberal". Se antes minha ênfase era na libertação do amor, proponho questionar agora o que pensamos por liberdade. Oras, como vi muita gente pontuando de forma bastante acertada, a mera saciação do prazer (especialmente para homens) não muda muita coisa em relação à Monogamia. Monogamia sempre pressupôs traição, efetivamente a masculina. A vadiagem masculina é absurdamente incentivada no nosso projeto heteropatriarcal de sociedade. Até que ponto uma proposta de mudança afetivo-sexual que apregoa pegação generalizada pode ser um projeto revolucionário?
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muito subversivo... ou não |
Podemos pensar aqui em pessoas que se encontraram em relacionamentos abusivos. Pessoas vítimas de estupro. Tragamos à tona a reiteração secular da figura da "mulata" como aquela com a qual só se deve ter relações sexuais eventuais. Isso sem contar qualquer sujeito tido como abjeto, de pessoas gordas a pessoas trans, passando inclusive por pessoas deficientes. Qual o sentido de propor a essas pessoas que saiam a fazer pegações? Que não se envolvam profundamente emocionalmente? A partir de que lugar dizemos que essas pessoas devem se "libertar" do amor? Isso tudo se complica ainda mais quando percebemos que concretamente círculos RLi/poliamor/amor livre apresentam pouca diversidade.
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além do amor, o Estado |
Amor livre não pode ser amor liberal porque senão não se põe como um verdadeiro contraponto à opressiva instituição que é a Monogamia. É preciso construir um novo amor que se paute numa liberdade que não seja a liberdade negativa do liberalismo, que só diz que todo mundo pode tudo, desde que consentido. Ter a liberdade de escolher é importantíssimo, mas não é suficiente, não para quem tem muitas outras correntes das quais se libertar. A mera satisfação do desejo sem a mudança da realidade concreta não difere nada do individualismo que o capitalismo hoje nos propõe (ou impõe, para ser mais preciso).
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revolução só se faz com amor. e não há amor sem revolução. |
Uma proposta realmente revolucionária de amor livre parte deste enquanto um posicionamento político que tem em seu horizonte um novo projeto de liberdade. Mais do que liberdade para escolher, é preciso que haja possibilidades concretas - e, porque não: materiais - para tais escolhas. Liberdade é sempre o tema da política, não se deixem enganar. É preciso que se ponha em pauta, todavia, a seguinte questão: todas as pessoas, em sua diversidade, tem igual liberdade para escolher? Amor livre é um pontapé direto na cara da Monogamia enquanto instituição e todas as opressões que ela institucionaliza. Do direito à herança ao heterossexismo, passando pela
solidão das mulheres negras, a Monogamia anda de mãos dadas com os diversos sistemas de opressão: reiterando-os, acentuando-os. É preciso que sejamos livres para amar além do amor. Mas realmente livres, igualmente livres.