quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Segurança pública e a luta de classes

Segurança pública é sempre tema de suma importância para quem administra determinada unidade política. Não se pode governar sem falar em segurança pública. No geral o que se discute é como combater a violência e a criminalidade, uma constante preocupação do cidadão de bem. Mais polícia, menos bandidagem, talvez esse seja o lema. Está instaurada na sociedade uma luta de classes: mocinhos x bandidos. Define-se o nós e o eles, os que merecem ser cuidados e os que merecem ser punidos. Tudo em nome da lei. Vivemos num Estado liberal.
proteção?
Comecemos pelo reconhecimento de que a segurança pública não visa combater todos os crimes, mas especialmente assaltos e homicídios. Esses são os índices que acabam por caracterizar algumas cidades como mais seguras do que outras. Se é a necessidade de proteção que cria o Estado, no fim é para a proteção de nossos bens que ele serve. O Estado é guardião da vida e da propriedade privada. Daí a expressão "Estado cão-de-guarda": este só é acionado quando algo dá errado na convivência entre as pessoas.  O aparelho repressivo do Estado - em nosso idioma: a polícia - é mesmo o próprio Estado em seu esplendor. Ainda, na clássica assertiva weberiana: o Estado reivindica o monopólio do uso legítimo da violência física. Ele bate, nós aceitamos.
BAN-DI-DO
O bandido é o inimigo. Bandido. Eliminemos essa palavra maldita de nosso vocabulário. Criminoso/a, é o que existe. Uma pessoa comete crime e é, por isso, criminosa. "É", ou está. Porque se vivemos num Estado democrático de direito que assim ordena, pode-se pagar pelo crime, pode-se reabilitar-se, pode-se "descriminar-se". "Bandido" é a ideia de que se é, em essência, criminoso. Fala-se em bandido como alguém que surge e vive no crime, do crime e para o crime, sem possibilidades de mudança. Simplesmente pedir mais polícia para combater o crime é reforçar uma concepção implícita na ideia da bandidagem: a de que é preciso eliminar o inimigo. Ideia que cabe em "Estado", mas não em "democrático de direito". Se existe uma legislação que prevê a reforma do sujeito, sua reinserção, só polícia não é suficiente e justiçamentos com as próprias mãos são inconcebíveis. 
linchar pode NÃO #dicasruthinha
Num Estado liberal a luta de classes é de todas as formas encoberta. As políticas de segurança pública, são no geral, proteção das classes dominantes e encarceiramento (quando não assassínio) das classes dominadas. E a ideologia atua de maneira tão absurda que quaisquer propostas de resolução de problemas relacionados à violência e à criminalidade que não envolvam a prisão - o cerceamento do tempo - são vistas como irreais e brandas. Só conseguimos pensar através da racionalidade penal moderna - em resumo: combater um mal com outro mal. E o aumento do policiamento continua enviando a juventude preta e pobre para a cadeia. Pensar a questão da segurança pública descolada da questão de classe é ignorar a complexidade do problema e partir para soluções apressadas e ineficazes.
do genocídio da juventude negra
Uma nova forma de se pensar segurança pública deve partir de alguns princípios, quais sejam: (1) o/a criminoso/a não é inimigo/a do Estado; (2) o Estado não pode ser acionado somente para proteger a propriedade privada; (3) o Estado não pode ser seletivo na punição de crimes - não deve selecionar criminosos/as; (4) as punições não devem servir para suprir desejos individuais, mas para cumprir a lei; (5) a prisão não é nem o único, nem o mais eficaz mecanismo de punição; (6) não existe segurança real em meio à luta de classes; (7) não existe segurança (nem para opressores, nem para oprimidos) quando existe opressão.