quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Ação Coletiva: horizontalidade na prática

Em 11 de junho de 2014 foi eleita a chapa Ação Coletiva para gestão do Diretório Central de Estudantes (DCE) da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Poderia ser só mais uma eleição de DCE não fosse um fato novo: desde que se tem registro, essa foi a primeira vitória de uma chapa apartidária para o DCE UFV. Quando apresentado à chapa, um professor que estudou o movimento estudantil (ME) da UFV insistiu para saber se éramos do PCdoB ou do PT (partidos que historicamente disputaram a entidade) - e não só ele, ninguém acreditava. Quem acreditava mantinha algum ceticismo quanto à nossa vitória. Sem suporte partidário ou financeiro: quais eram as chances? Apesar de tudo, vencemos e agora chegamos ao fim da gestão. Apartidarismo e horizontalidade: conseguimos? Cumprimos as propostas? O que foi a Ação Coletiva para o movimento estudantil da UFV? Quais são os desafios atuais? Segue-se um balanço.
Símbolo da Ação Coletiva
Antes de mais nada é preciso contar a história do começo. A gestão 2013-2014 do DCE-UFV (uma coalizão entre PT, PCdoB e Levante Popular da Juventude) definhava em seus últimos meses. Havia um clima de desorganização (mas não desmobilização) do movimento estudantil de forma mais ampla, culminando num enfraquecimento do Conselho de Centros e Diretórios Acadêmicos (CCA). O DCE implodia em disputas internas e não conseguia concretizar propostas e dar suporte ao ME. Começavam as articulações para novas eleições de DCE, CA e DA e a gestão decretou vacância. O sentimento à época (começo de 2014) era de um lamaçal imobilizante. É desse ponto crítico que começa a se delinear a Ação Coletiva. Eu, que era apenas membro do Conselho Universitário (CONSU), participava do CCA e comecei a comentar em tom jocoso com amigas/os (que já haviam participado do ME) que na situação em que se encontravam as coisas, poderíamos montar uma chapa de DCE e ganharíamos as eleições. O que era piada (afinal não sabíamos muito bem o que fazia um DCE) foi ganhando concretude quando mais e mais companheiras/os se empolgavam - apesar de nunca parecer uma possibilidade real. Com o tempo formamos um grupo político composto por pessoas da Articulação Nacional de Estudantes de Ciências Sociais (ANECS-Viçosa), da Comissão de Moradores de Alojamento (CMA), do grupo de diversidade sexual Primavera nos dentes e tantos outros coletivos nos quais estávamos inseridas/os. 
Parte dos membros da chapa (foto tirada durante o Varal Geográfico de 29/05/2014)
"Ação Coletiva" foi a fusão de dois outros nomes. "Da lama ao caos" representaria a saída de um momento de pessimismo no ME da UFV para um recomeço de caos, de potência criativa. Concretamente significou num primeiro instante ter que lutar para que as eleições acontecessem e se dessem da forma mais limpa possível. "Nova visão" tinha a ver com uma forma de fazer movimento estudantil diferente da que víamos no DCE da UFV. No fim, "Ação Coletiva" consistia em uma tentativa de envolver as/os estudantes no ME, tanto individualmente quanto através dos coletivos estudantis, de modo a concretizar propostas, sempre baseando-se em dois princípios: apartidarismo e horizontalidade. Apartidarismo significava a ruptura com os partidos, mas também recusar cartilhas ou decisões exteriores. Horizontalidade era, então, o fundamento da nossa ação: todas as decisões deveriam ser decididas coletivamente, com igual possibilidade de participação de qualquer estudante. "Eu vi que o símbolo de vocês é um A anarquista, vocês são anarquistas?", perguntava um oponente no primeiro debate. Respondemos: "Bem, prezamos pela horizontalidade e combate a todas as formas de dominação... mas fomos quem mais lutou para que as eleições ocorressem e estamos aqui disputando democraticamente uma entidade representativa". 
Kênia Araújo, em foto enviada para a campanha da Ação Coletiva
Fizemos uma campanha interativa e dialógica. Uma esperança começava a emanar de diversas/os estudantes que viam na Ação Coletiva uma possibilidade de se fazer política de uma forma menos pesada, mais próxima. Ainda assim, foi uma disputa difícil contra a chapa F5, organizada pela UJS (PCdoB), especialmente por conta das falcatruas já conhecidas dessa organização. Na contagem de votos uma surpresa: vencemos! Já no primeiro seminário de organização da gestão percebemos que o desafio só havia começado. Era preciso formular um modelo e uma forma concreta de execução, tudo sem votação alguma, somente a partir do consenso. Na prática, o apartidarismo e a horizontalidade representavam tanta liberdade que por vezes não sabíamos como lidar. Não é tarefa simples distinguir o que é liberdade liberal (egoísta) e o que é liberdade de fato emancipatória e coletiva. Esse é o fantasma que assombrou toda a gestão.
Marcha Nico Lopes 2014
De um modo geral as propostas foram cumpridas como se esperava: com ampla participação de estudantes. Sem dúvidas o ponto alto da gestão foi a Nico Lopes 2014. O evento, tradicional do movimento estudantil da UFV, agregou festa e política. Conseguimos convencer a administração da universidade de que a regulação da venda de bebida alcoólica (cerveja) seria mais produtiva do que a proibição total da comercialização e do consumo. E acertamos: na última edição, realizada há mais de um ano, houve proibição total de álcool e houve diversas brigas, depredação do patrimônio, bem como reclamações dos hospitais e das/os trabalhadoras/es (seguranças e enfermeiras/os) - na Nico Lopes 2014 nada, nadinha. Mais de 4 mil pessoas, regulamentação da venda de bebida alcoólica e 7 dias de evento que culminaram numa marcha e num show na mais perfeita harmonia: um golpe no proibicionismo! Ainda, houve o resgate do festival de bandas, promovendo shows gratuitos com premiações para as bandas da região. Uma parceria com a administração da UFV e prefeitura de Viçosa.
Festa de aniversário do grupo de maracatu O Bloco no Porão (vídeo do PMME-UFV).
Ainda em relação às propostas executadas: a implementação da alimentação vegetariana no Restaurante Universitário (RU) da UFV, o retorno completo do Porão (sede política e cultural do ME) e a reativação do Fórum de Combate às Opressões como fórum permanente (composto por coletivos que debatem raça, gênero e sexualidade). Do que ficou por fazer ressalta-se principalmente a formalização de conquistas e direitos e a regularização da situação econômica e legal da entidade. Por fim, duas realizações devem ser mencionadas para explicar a tensão interna durante toda a gestão e especialmente as contradições dos seus momentos finais. A Calourada Unificada terminou a recepção de calouras/os com shows bem organizados, mas passando por cima, em muitos momentos, da construção horizontal e coletiva, tão cativa à Ação Coletiva. O Congresso Estudantil da UFV, por sua vez, demonstrou que o caos (criativo) havia se instaurado: diversos grupos políticos surgiram ou se fortaleceram. Demonstrou também que a gestão dava seus últimos suspiros, incluindo novos membros, mas deixando muitos pelo caminho.
Congresso Estudantil da UFV, 2015
É verdade que a Ação Coletiva envolveu dezenas (talvez centenas!) de estudantes em participações esporádicas durante toda a gestão, em todas as ações. Sem essas pessoas quase nada seria possível. Entretanto fazer acontecer um DCE concretizando propostas gigantescas demanda um nível de organização e de trabalho enorme e ininterrupto. Ao longo do tempo percebemos que havia demandas demais para um pequeno grupo de membros "orgânicos". Era a busca incansável da horizontalidade na coletivização de tarefas e decisões com a formação progressiva (não tanto desejada) de centralizações. Quer pelo conhecimento prévio dos processos, pelo empenho individual e pelo egoísmo, lideranças brotavam - embora nunca com esse nome. No começo da gestão isso era amenizado porque havia muitas "lideranças", que de certa maneira disputavam o poder de tantos lados que não havia bem vetor definitivo, a participação de novos/as militantes era mais fácil. Nos últimos meses de vida muitos membros já haviam deixado a Ação Coletiva (porque formaram, porque perderam interesse, porque se desgastaram etc) e as coisas se complicaram. O ponto máximo da decadência foi quando um membro da gestão se utilizou de táticas machistas para tentar convencer uma companheira de ME a fazer o que ele mandava. Felizmente não conseguiu e foi coibido pela companheira e pela gestão. Esse caso é exemplar dos perigos de uma horizontalidade pueril: sem mecanismos reguladores o movimento depende da boa vontade dos/as participantes. Não é por acaso que as meninas eram minoria na composição da chapa e nas falas durante as reuniões (sem mencionar negros/as). O novo estatuto do DCE UFV, aprovado no Congresso, institui a paridade nas chapas concorrentes à entidade e em suas posições de decisão. Enfim, o que pontuo é que sem mecanismos institucionais organizações podem acabar reféns da instabilidade, insegurança e de ataques à própria coletividade. O que a Ação Coletiva demonstrou, por outro lado, é que a ruptura com institucionalidades (com organização em direções, com partidos e a UNE) abriu espaço para uma política mais criativa e acolhedora.
Shara Narde e Bruna Ramos no ato "Fora Lannes!", organizado pelo ME da UFV
Ação Coletiva foi um sentimento compartilhado de mudança, indignação e engajamento que se criava a cada instante para além dos limites de um Diretório Central. Seus penosos suspiros finais (com tantas rupturas e fogo generalizado) são a prova de que esse modo fraterno (não confundir com homogêneo) de fazer política não cabe em estruturas, nem pode ser dirigido por quem quer que seja. Com todos os erros, percalços e perigos a Ação Coletiva (não enquanto membros da gestão, mas enquanto estudantes partícipes) conseguiu promover uma nova agregação do movimento estudantil da UFV, que pode ser essencial para os coletivos que nunca deixaram de se organizar, para os que se recompuseram, para os que surgiram e surgirão e para uma política que é feita no conflito e se concretiza porque considera todas as pessoas como importantes. Que venham as novas contradições e se fabriquem outras dialéticas. Vida longa ao ME da UFV!