quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Política e polarizações num Brasil em crise


Um elemento constitutivo da política é a delimitação de amigos e inimigos, a divisão da linha entre nós e eles. Serve para a paz democrática, serve para a guerra sangrenta. Nesse sentido, política é sobre disputa. As disputas políticas, entretanto, não estão dadas, antes precisam ser constituídas enquanto tais. Estabelecer polarizações é um exercício constante e tenso para quem se propõe a fazer política (dentro ou fora do Estado).
amigas e rivais
Consciente disso, Luiza Erundina disse que Marina Silva deseducava a sociedade ao não se afirmar de esquerda ou de direita. Não se governa para frente apenas. Ainda assim, Marina tentava construir outra polarização: nova política x velha política. Até hoje é difícil entender quais eram os termos concretos dessa polarização, que soa tão óbvia quanto artificial. No fim, quando veio a hora da polarização eleitoral, Marina escolheu um lado. Cito a querela entre Erundina e Marina nas eleições presidenciais de 2014 (que em certo momento as uniu na candidatura do PSB e as separou no segundo turno) porque concordo em partes com as duas. Com Erundina, pois sigo o argumento de que descartar a polarização esquerda x direita é encobrir outras escolhas. Com Marina, porque também penso que a polarização PT x PSBD prejudica o Brasil (essa é a posição de Domenico de Masi).
cher sobre lênin sem cabeça

Desenrolemos. Esquerda e direita, enquanto horizontes normativos, enquanto polos ideológicos, são combinações de princípios e/ou pautas capazes de guiar tomadas de decisão. Só faz sentido que política seja sobre disputa se for também sobre a possibilidade de escolha de diferentes formas de ação - caso contrário, de que serviria a disputa? É verdade que em diferentes momentos e por diferentes perspectivas os termos da disputa podem ser entendidos de maneiras específicas (saquaremas e luzias, no Brasil Império; machista e feminista, nos termos de gênero). Se a confusão existe e não pode ser solucionada simplesmente numa única dimensão (como a chegada ao socialismo), nem abdicada (pois algum caminho deverá ser seguido), talvez a melhor saída seja definir de forma ao mesmo tempo normativa e aberta o que é ser de esquerda: lutar contra todas as formas de dominação, organizadas de maneira específica pelo capitalismo monopolista. 

Desenrolando ainda mais: nem de um lado, nem de outro devem as polarizações partidárias ser automaticamente igualadas às polarizações políticas. Aqui o debate é mais palpável, mas ainda mais perigoso. Quando falamos em polarização partidária falamos sobre o Estado, falamos ainda sobre elites políticas capazes de mobilizar máquinas de angariar votos (quase sempre por meio de investimento de muito dinheiro). Essas elites são expressões parciais do embate entre duas estruturas mais ou menos maleáveis e mais ou menos interligadas: o Estado e a sociedade. Nem toda polarização partidária esgota as polarizações políticas no seio de uma sociedade.
essa família muito unida...

Enrolando tudo novo... a breve democracia brasileira foi marcada, na maior parte de sua duração, pela disputa entre o PT e o PSDB. E assim nos organizamos enquanto Estado e nação. De um modo geral as demandas à esquerda foram encaixadas no polo vermelho e as demandas à direita no polo azul. Consolidações de políticas estatais e reorganizações sociais depois, além das taxas pagas à governabilidade, as fronteiras entre nossa polarização política e partidária estão borradas - essa é a gênese da crise política. À direita do PSBD temos atores como Bolsonaro, MBL e Eduardo Cunha - que, vejam só, é da base aliada do governo de esquerda! Falando ainda em aliados, dois dos grandes nomes do PMDB que apoiam o governo (de esquerda!) contra o impeachment são Renan Calheiros e Kátia Abreu.

Sucessivamente a esquerda, sob diversos nomes, tem apoiado os governos petistas em sua manutenção no poder. Óbvio, o que seria de nós se a direita fosse vitoriosa?! O que parece menos óbvio é quem é esquerda e quem é direita a esta altura - porque esquerda e direita são definições difíceis, mas principalmente porque os partidos estão retalhados e rifados (cada um compra a parte que puder, com o a moeda que tiver). Cede aqui, governa ali. E cada guinada à esquerda do governo federal se consolida como uma promessa a ser cumprida em parcelas a perder de vista (a radicalização sinalizada em 2014 entrou 2015 com Joaquim Levy e o pós-impeachment novamente promete, mas é certamente um pós-Levy ainda com ajuste fiscal).

Positivamente somos pouco capazes de constituir uma identidade própria, enquanto esquerda brasileira. Delimitar um “nós” só é fácil para quem exclui sem sofrer. Todavia, em meio à crise ganhamos um grande inimigo. Cunha é contra as mulheres, contra a população LGBT, contra indígenas, contra trabalhadoras/es, contra a juventude negra. Assim vamos descobrindo que somos mulheres, somos LGBT, somos indígenas, somos trabalhadoras/es, somos juventude negra... e cada derrota política desses grupos é uma derrota nossa. Somos todas/os contra Cunha. Somos a esquerda brasileira. E nós somos muito mais do que um partido, uma coligação ou um governo. Precisamos descobrir isso antes de nos digladiarmos pela manutenção de quaisquer elites no poder (chegando a absurdos como petralhas x coxinhas). Busquemos uma nova política de esquerda.             

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