sexta-feira, 18 de março de 2016

UM GOLPE DEMOCRÁTICO: entender para agir


DEMOCRACIA, GOLPE, FASCISMO

Quando os termos da realidade são altamente disputados não há facilidade na compreensão. Quando os conceitos mais importantes e polêmicos do último século entram em cena, a confusão está armada. Tentemos entender o que essas palavras significam em política.

A) DEMOCRACIA.
Alguns significados:
1) Regime  em que há possibilidade de participação de todas/os cidadãs/os do processo de tomada de decisão por meio de candidatura e voto;
2) Forma de escolha que abarca a maioria ou a vontade do povo;
3) Regras explícitas e estáveis para execução de decisões que afetem a coletividade (geralmente leis);
4) Direito efetivo de participação na coletividade que perpassa por justiça social;
5) Possibilidade de livre manifestação das vontades individuais e coletivas.

B) GOLPE.
1) Diz-se do que rompe abruptamente um regime político;
2) Mudança ilegal e/ou ilegítima do curso do jogo;
3) Mudança ilegal e/ou ilegítima das regras do jogo;
4) Ação ilegítima e/ou injusta.

C) FASCISMO.
1) Regime político que tomou conta da Itália entre 1922-1945 e envolvia um Estado autoritário (sem apreço por regras ou lei e afeito ao uso da violência física), um líder carismático (Mussolini) e forte sentimento nacionalista;
2) Ideologia de desumanização e/ou aniquilação de outrem;
3) Postura política que não admite dissenso.

Democracia, golpe e fascismo no Brasil de 2016?

Até onde enxergo, não há em curso no país nem grande golpe, nem exatamente fascismo, nem realmente ataque ordenado à democracia. O que acontece, então?

IMPEACHMENT, LAVA-JATO, FORA PT

Três grandes acontecimentos políticos confluem: processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, operação da Polícia Federal Lava-Jato e manifestações públicas de repúdio a Dilma, Lula e ao PT. Que há de anti-democrático, golpista e fascista nisso?

IMPEACHMENT.
Previsto na lei nº 1.079, é procedimento legal de destituição de presidente ou ministro/a por crimes de responsabilidade.
Pode não ser democrático no sentido A-4.
Os sentidos A-1, 2 e 5 estão em disputa. O impeachment é legítimo?
A princípio é democrático no sentido A-3. Aqui sua conformidade com a lei precisa ser provada.
B-1 e 3 não parecem estar em discussão. B-2 e 4 estão em disputa.
C-1 e 2 não se aplicam. C-3 talvez esteja em disputa. 

LAVA-JATO
Somente A-3 se aplica. Em disputa.
B-2 e 4 estão em disputa.
C não parece aplicar, somente em alguns traços específicos de C-1 (possível autoritarismo que desrespeita leis).

FORA PT
Parece contrariar A-1.
Pode implicar em negação de A-3 e 4.
Disputa A-2 e 5.
B-1 e 3 não parece estar em disputa; B-2 e 4, sim.
Em C-1 há semelhanças, mas carece de líder carismático, por um lado, e mais evidências de um Estado autoritário, por outro.
C-2 talvez não seja maioria, mas tem virado marca do movimento. 
C-3 cada vez mais se torna característica do movimento.

UM GOLPE DEMOCRÁTICO
O golpe anti-democrático e "fascista" da injustiça social nos é dado desde sempre, em doses homeopáticas (ainda que sangrentas) e de maneira naturalizada.  É o jogo, a política, a realpolitik, a governabilidade. A democracia formal e burocrática a todo momento golpeia a democracia substantiva.
O que acontece no Brasil de 2016 é de outra sorte. Não há um grande golpe à democracia sendo orquestrado por atores de um grupo político a mudar completamente o regime. Não é golpe militar, como em 1964. Não é também um levante fascista comandado por um líder habilidoso (embora alguns elementos já emerjam na sociedade).
Está em curso nesse país um golpe perfeitamente democrático. Aliás, não é UM golpe, mas pequenos  e sucessivos tensionamentos da democracia. O processo de impeachment da presidenta eleita preserva alguns elementos de legalidade, mas só segue em frente com bruscas manobras de Eduardo Cunha e da oposição de direita. A Lava Jato é também perfeitamente legal no geral, o que impressiona é a seletividade nas investigações e punições, por um lado, e ações que atingem ou ultrapassam o limite da legalidade, de outro lado. O movimento "Fora PT" é completamente legal e possivelmente legítimo num primeiro momento. Por que, então, seria papel da esquerda lutar contra o golpe e a favor da democracia?
Se a esquerda governista tem interesse óbvio na manutenção do governo, à oposição da esquerda cabe tomar as ruas pela reivindicação da democracia e contra os golpes de direita em diversos sentidos. Num primeiro momento os tensionamentos (anti-)democráticos podem desestabilizar a democracia enquanto procedimento porque derrubam qualquer possibilidade de estabilidade ou confiança de que as escolhas tomadas representam o povo e sejam mantidas. Num segundo aspecto, deve-se lutar pela democracia desde seus fundamentos igualitários, combatendo medidas elitistas tomadas dentro e fora do governo, por aliados e opositores do PT.
Os golpes são desferidos por muitos atores, mas não devemos perder de vista que temos um inimigo comum: Eduardo Cunha e o PMDB. São os senhores desta sigla que ocupam os postos mais altos e a maioria dos postos de poder neste país. É esse o principal partido articulador da bancada Boi, Bala e Bíblia, que põe em cheque direitos de diversas minorias políticas. Esqueçam distrações como Bolsonaro, Aécio e Dilma. Cunha, Temer e Kátia Abreu, bem como seus aliados, compõem o único ator político que pode desferir um golpe à democracia desse país. Adequado, não? O Partido do Movimento Democrático Brasileiro é o agente de nosso golpe "democrático".